29 de outubro de 2014

Sobre saudade...Pipoca.



Nunca imaginei que um animal de estimação poderia fazer tanta falta... tolice minha né? Ele normalmente faz mais companhia pra gente do que qualquer outro ser da casa.

Comigo era assim, a Pipoca era a minha maior companheira! Ficava mais atrás de mim do que minha própria sombra, em todos os lugares que eu ia lá estava ela. Dormia comigo, aliás, enquanto eu não levantava da cama ela também não (apenas ia comer ou beber água e já voltava rapidamente); ficava me esperando tomar banho do lado de fora do box; me acompanhava em todos os lugares da casa, quando eu ia na casa do Israel, na horta, na beira do riozinho, quando eu subia pro segundo andar e quando descia, até quando eu ia apenas pegar alguma coisa em outro cômodo ela ia junto; ficava sentada ao meu lado na mesa nas horas das refeições... Agora só ficou o vazio de todas as coisas que fazíamos juntas. 

Não tem mais pra quem eu contar tudo o que me incomodava sem ouvir julgamentos ou opiniões; não tem mais aquela alegria imensa de quando eu chegava em casa e tristeza da mesma proporção de quando eu saia; não tem mais o barulho das patinhas no piso e assoalho lá de casa; não tem mais as brincadeiras de pega-pega; não tem mais o desespero quando sentia cheiro de queijo e chocolate; não tem quem me esquente nos dias frios; Não tem mais as brincadeiras todas as vezes que ia trocar o lençol; não tem mais você em cima da mala tentando impedir a gente de viajar; não tem mais você me protegendo quando eu estava dormindo, sem deixar ninguém estranho entrar no meu quarto; não tem mais a sua doçura que conquistava todo mundo que vinha visitar a gente; não tem mais aquele olhar de quem era quase o melhor humano que poderia existir, do mais puro amor, confiança, proteção, lealdade e compaixão; não tem mais a única companhia que eu queria em dias difíceis; não tem mais o melhor ser que eu já tive comigo em toda minha vida...

Só tenho a agradecer por ter tido nesses últimos 9 anos a melhor amiga de estimação que poderia imaginar! Obrigada por me ensinar tanta coisa boa e por ainda continuar ensinando...
E peço desculpas por muitas vezes ter sido injusta e por tudo que aconteceu nas suas últimas semanas! E espero que tenha sido uma boa amiga pra você também...

Sinto muita sua falta, como nunca imaginei que sentiria (talvez por eu nunca me atrever a imaginar que você partiria)... O que me acalma um pouco é saber que existe mesmo um céu dos cachorros e que com toda certeza desse mundo você está sendo muito bem cuidada. Vou continuar te mandando muito amor daqui, pra ajudar na sua evolução aí e por não poder de maneira alguma ser diferente... E se você quiser me escolher de novo, vai ser extremamente bem vinda!

Te amo minha eterna velhinha Pipoca!

Saudade! <3

28 de agosto de 2014



Hoje quero o alívio de quem liberta, diariamente, uma espera.
É que a vida, às vezes, ri só com os olhos e eu, com os medos.
Então cuido, com a destreza de quem nunca espera tantas voltas, desses impulsos que ficam acumulados na alma da gente.
Cuido desse silêncio persistente que não diz coisa com coisa, mas que inaugura uma tentativa e estende sobre a memória, o bordado da possibilidade.
Cuido desse amor inocente que tenho por todas as minhas escolhas. Amor esse que me faz esquecer a dor, o abandono e a dúvida. E relaxo diante de todas as expectativas.
Despenteio meus hábitos. Pratico a habilidade de calar também com os olhos para não desviar o caminho daquele que ainda se encontra.
E aprendi com tantos desalinhos, novas linhas.
E guardo comigo muitos fragmentos de um encanto e um punhado de diferenças distraídas.
Tenho uma poesia que me coleciona aos poucos e sente mesmo depois de ser passado, que presente é a memória viva. Só não aprendi, ainda, a minimizar afetos e tardar nos encontros.
Gosto dessa gente que desvenda olhares em segundos, que aproveita os pequenos deslizes para colocar o nosso dentro no eixo. No centro das delícias, de tudo.
Em estado de graça e total entrega, alguma delicadeza sempre me prova que o contrário é altamente poético. 

(Priscila Rôde)

A alma...



“A alma é o lugar onde os sentimentos são profundos demais para palavras. Calamos não porque não tenhamos o que dizer, mas porque não sabemos como dizer tudo aquilo que gostaríamos de dizer.” 
(Rubem Alves)

7 de agosto de 2014

“Essa é a pior maneira de sentir falta de alguém. Quando a pessoa está ao seu lado e ainda assim você sente falta dela.”

 (Pittacus Lore) 

Depois do adeus...


“Depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade.
Tudo se enche com a presença de uma ausência.
Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas…
Alguns chegam a pensar em trancar em gaiolas aqueles a quem amam. Para que sejam deles, para sempre… Para que não haja mais partidas…
Poucos sabem, entretanto, que é a saudade que torna encantadas as pessoas.” 

(Rubem Alves)

É isso...



(O Teatro Mágico)

9 de julho de 2014

Flor Futura


"A esperança é insistente
Mesmo triste ela reside
Mora lá na minha casa
Vive aqui nessa cidade
Quando alegre cria asa
Quando chora, ela pousa

A esperança é permanente
Mesmo vazia, habita
Vive nos sonhos, nas vilas
Mora num laço de fita
Quando bonita, viaja
Quando não vê, ela fica

Antes de tudo, antes do barro
Na escuridão, antes da cura
Na flor futura, depois do sol
No coração, onde ela mora?

É sempre sobrevivente
Mesmo ausente me visita
Mora lá no fim do mundo
Vive entre os vagabundos
Quando dia ela repousa
Quando tarde ela vigia

Tá no caminho, na ilusão
No pavilhão e na secura
Tá na mais pura das verdades
Tá na loucura, onde ela mora?

Não cabe dentro da minha casa
É bem maior que a cidade
Maior que o amor
Maior que a estrada
Depois do pó só vai restar
A esperança e sua cor esverdeada."

(Rubens Nogueira e Consuelo de Paula)


“É duro ter apenas duas alternativas (ficar ou ir embora) e ambas serem terríveis.”

(Martha Medeiros)

Porque é natural e justa.



"Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe

E as mãos colhem flores sem ela dar por isso."

 (Fernando Pessoa)

26 de junho de 2014


A gente fica sonhando...


"A dor do amor tem de repente uma doçura, um instante de sonho que mesmo sabendo que não se tem esperança alguma a gente fica sonhando."

 (Rubem Braga)

Meio Bossa


"Você olhou como quem procurava
Eu olhava como quem achou
Você viu o que eu não achei
Entendi que você duvidou
Do nosso amor que
Afinal se libertou
Olhos nos olhos
Quero ver se você pisca
Quero ver então se arrisca
Esse amor assim tão solto
Olha bem, presta atenção
E vê se chega ao coração
Esse bolero meio bossa
Essa história aqui tão nossa
Pois amar assim
É bom."


(Ceumar)

10 de junho de 2014

Onde mora o Amor


"Amor é isto: a dialética entre a alegria do encontro e a dor da separação. E neste espaço o amor só sobrevive graças a algo que se chama fidelidade: a espera do regresso. De alguma forma a gota da chuva aparecerá de novo, o vento permitirá que velejemos de novo, mar afora. Morte e ressurreição. Na dialética do amor, a própria dialética divina. Quem não pode suportar a dor da separação não está preparado para o amor. Porque amor é algo que não se tem nunca. É o vento de graça. Aparece quando quer, e só nos resta ficar à espera. E quando ele volta, a alegria volta com ele. E sentimos então que valeu a pena suportar a dor da ausência, pela alegria do reencontro." 

(Rubem Alves)

E usei o tempo para me enfeitar...


"Sabia que você não viria 
E usei o tempo para me enfeitar 
Preguei flores no cabelo 
Dancei em frente ao espelho 
Apenas pra te esperar 
Rosea, linda e sorridente 
Com estrelas no olhar 
Me embrulhei toda pra presente 
E me pus toda contente 
Contar as horas pra você voltar." 


(Victtoria Rossini)


29 de abril de 2014

Presença


Eu te esperei sobre a terra
Sobre o chão vermelho
Antecipei o teu cheiro
Inventei o teu rosto
O teu nome escrito
O desenho das árvores
Os teus pés perdidos
Movimento do mundo
Teus olhos acesos dentro do meu sonho
Tua voz recitando poemas
Meus olhos acesos durante o teu sono
Minha voz colhendo aromas

Eu te esperei sobre a terra
Sobre o chão vermelho
Antecipei o teu cheiro
Inventei o teu rosto
Eu te esperei entre espinhos e pétalas
Bem antes do sol
Como a rosa no vento
Na flor do silêncio
Na pedra do grito
O amor, o tempo e o encanto
Na valsa do dia
No verso da noite
Bem no centro do meu canto

Eu te esperei sobre a terra
Sobre o chão vermelho
Antecipei o teu cheiro


(Consuelo de Paula e Rubens Nogueira)

Pássaro Lunar



Guarde a lua dos meninos
Do cavalo de São Jorge
Guarde o vento dessa noite
No seu corpo dançarino
E quando estiver saindo
Deixe o riso e um carinho
Deixe os olhos de aventura
Leve a sina dos caminhos
Sobre a pétala da manhã
Vá-se embora devagar
Que eu lhe quero andarilho
Como eu pássaro lunar

Bicho de prata
Coroa no mar
De prata e vento
Coroa no mar

Guarde a benção dos destinos
Dos sinais que me fogem
Guarde o sopro dessa noite
No olhar dos bailarinos
E quando estiver sozinho
Faça um verso e um raminho
Como um quadro de pintura
Guarde a cor desses versinhos
Leve o cheiro da manhã
Vá-se embora devagar
Que eu lhe quero andarilho
Como um pássaro lunar

Bicho de prata
Coroa no mar
De prata e vento
Coroa no mar


Coroa no mar...

(Consuelo de Paula e Luiz Salgado)

28 de abril de 2014

11 de abril de 2014





Era prazer? Era.
Mas era mais que prazer. Era alegria.
A diferença? O prazer só existe no momento.
A alegria é aquilo que existe só pela lembrança.
O prazer é único, não se repete.
Aquele que foi, já foi. Outro será outro.
Mas a alegria se repete sempre.
Basta lembrar.'


(Rubem Alves)

Lápide


8 de abril de 2014

A solidão amiga

A noite chegou, o trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão… O que mais você deseja é não estar em solidão…

Mas deixa que eu lhe diga: sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música… Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem. Cenas. De um lado, amigos em festas felizes, em meio ao falatório, os risos, a cervejinha. Aí a cena se alterava: ele, sozinho naquela sala. Com certeza ninguém estava se lembrando dele. Naquela festa feliz, quem se lembraria dele? E aí a tristeza entrava e ele não mais podia curtir a sua amiga solidão. O remédio era sair, encontrar-se com a turma para encontrar a alegria da festa. Vestia-se, saía, ia para a festa… Mas na festa ele percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas. Era um desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão… A noite estava perdida.

Faço-lhe uma sugestão: leia o livro A chama de uma vela, de Bachelard. É um dos livros mais solitários e mais bonitos que jamais li. A chama de uma vela, por oposição às luzes das lâmpadas elétricas, é sempre solitária. A chama de uma vela cria, ao seu redor, um círculo de claridade mansa que se perde nas sombras. Bachelard medita diante da chama solitária de uma vela. Ao seu redor, as sombras e o silêncio. Nenhum falatório bobo ou riso fácil para perturbar a verdade da sua alma. Lendo o livro solitário de Bachelard eu encontrei comunhão. Sempre encontro comunhão quando o leio. As grandes comunhões não acontecem em meio aos risos da festa. Elas acontecem, paradoxalmente, na ausência do outro. Quem ama sabe disso. É precisamente na ausência que a proximidade é maior. Bachelard, ausente: eu o abracei agradecido por ele assim me entender tão bem. Como ele observa, “parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxoleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis”. A vela solitária de Bachelard iluminou meus cantos sombrios, fez-me ver os objetos que se escondem quando há mais gente na cena. E ele faz uma pergunta que julgo fundamental e que proponho a você, como motivo de meditação: “Como se comporta a Sua Solidão?” Minha solidão? Há uma solidão que é minha, diferente das solidões dos outros? A solidão se comporta? Se a minha solidão se comporta, ela não é apenas uma realidade bruta e morta. Ela tem vida.

Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo: “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.” Pare. Leia de novo. E pense. Você lamenta essa maldade que a vida está fazendo com você, a solidão. Se Sartre está certo, essa maldade pode ser o lugar onde você vai plantar o seu jardim.

Como é que a sua solidão se comporta? Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se comporta com a sua solidão? O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofrimento, uma doença, uma inimiga… Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim: “Por muito tempo achei que a ausência é falta./ E lastimava, ignorante, a falta./ Hoje não a lastimo./ Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim./ E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,/ que rio e danço e invento exclamações alegres,/ porque a ausência, essa ausência assimilada,/ ninguém a rouba mais de mim.!”

Nietzsche também tinha a solidão como sua companheira. Sozinho, doente, tinha enxaquecas terríveis que duravam três dias e o deixavam cego. Ele tirava suas alegrias de longas caminhadas pelas montanhas, da música e de uns poucos livros que ele amava. Eis aí três companheiras maravilhosas! Vejo, frequentemente, pessoas que caminham por razões da saúde. Incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares, aos bandos. E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca. Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em comunhão com a natureza. Elas não vêem as árvores, nem as flores, nem as nuvens e nem sentem o vento. Que troca infeliz! Trocam as vozes do silêncio pelo falatório vulgar. Se estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que elas ouvissem o que a natureza tem a dizer. O estar juntos não quer dizer comunhão. O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contato conosco mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que “o inferno é o outro.” Sobre isso, quem sabe, conversaremos outro dia… Mas, voltando a Nietzsche, eis o que ele escreveu sobre a sua solidão:

“Ó solidão! Solidão, meu lar!… Tua voz – ela me fala com ternura e felicidade!

Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas.

Pois onde quer que estás, ali as coisas são abertas e luminosas. E até mesmo as horas caminham com pés saltitantes.

Ali as palavras e os tempos/poemas de todo o ser se abrem diante de mim. Ali todo ser deseja transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim a falar.”

E o Vinícius? Você se lembra do seu poema O operário em construção? Vivia o operário em meio a muita gente, trabalhando, falando. E enquanto ele trabalhava e falava ele nada via, nada compreendia. Mas aconteceu que, “certo dia, à mesa, ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção ao constatar assombrado que tudo naquela casa – garrafa, prato, facão – era ele que os fazia, ele, um humilde operário, um operário em construção (…) Ah! Homens de pensamento, não sabereis nunca o quando aquele humilde operário soube naquele momento! Naquela casa vazia que ele mesmo levantara, um mundo novo nascia de que nem sequer suspeitava. O operário emocionado olhou sua própria mão, sua rude mão de operário, e olhando bem para ela teve um segundo a impressão de que não havia no mundo coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão desse instante solitário que, tal sua construção, cresceu também o operário. (…) E o operário adquiriu uma nova dimensão: a dimensão da poesia.”

Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: “As obras de arte são de uma solidão infinita.” É na solidão que elas são geradas. Foi na casa vazia, num momento solitário, que o operário viu o mundo pela primeira vez e se transformou em poeta.

E me lembro também de Cecília Meireles, tão lindamente descrita por Drummond:

“…Não me parecia criatura inquestionavelmente real; e por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos… Distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente? Por onde erraria a verdadeira Cecília…”

Sim, lá estava ela delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias que a delicadeza a obrigava a jogar. Mas a verdadeira Cecília estava longe, muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.

O primeiro filósofo que li, o dinamarquês Soeren Kiekeggard, um solitário que me faz companhia até hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação. Experimentei isso em minha própria carne. Foi quando eu, menino caipira de uma cidadezinha do interior de Minas, me mudei para o Rio de Janeiro, que conheci a infelicidade. Comparei-me com eles: cariocas, espertos, bem falantes, ricos. Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar. Nunca fui convidado a ir à casa de qualquer um deles. Nunca convidei nenhum deles a ir à minha casa. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão. A solidão de ser diferente. E sofri muito. E nem sequer me atrevi a compartilhar com meus pais esse meu sofrimento. Seria inútil. Eles não compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho. Mas foi nela que se formou aquele que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido. Como, por exemplo, a música clássica, a beleza que torna alegre a minha solidão…

A sua infelicidade com a solidão: não se deriva ela, em parte, das comparações? Você compara a cena de você, só, na casa vazia, com a cena (fantasiada ) dos outros, em celebrações cheias de risos… Essa comparação é destrutiva porque nasce da inveja. Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira.

Mas essa conversa não acabou: vou falar depois sobre os companheiros que fazem minha solidão feliz.


(Rubem Alves)

7 de abril de 2014

Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


(José Régio)

2 de abril de 2014

Um lugar.


Foto: Rosana Pereira 2014


Todos deveriam ter um lugar favorito no universo, um lugar que dê a sensação de que você vai escapar do que for, de seja lá o que você está sentindo. Aquele lugar onde as pessoas de quem você gosta vão te procurar quando você provavelmente sumiu por não aguentar a barra, como acontece no cinema, quando os personagens estão perdidos, prostrados ou loucos de amor.

(Gabito Nunes)



- Taí meu lugar favorito no universo, as águas da Serra da Mantiqueira. :)

21 de março de 2014

Canção de Outono


Perdoa-me, folha seca, 
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo, 
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão, 
se havia gente dormindo 
sobre o próprio coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando àqueles 
que não se levantarão...
Tu és a folha de outono 
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão.

(Cecília Meireles)

18 de março de 2014


Quem foi Dércio Marques?



As pessoas sempre me perguntam "quem foi o Dércio Marques" porque sempre vêem, segundo elas, "alguma coisa bonita que escrevo sobre ele". Essa é uma fala repetida muitas vezes no dia a dia... Sempre que me fazem essa pergunta, minha primeira reação é pensar "e agora, como explicar quem foi ele?!".

Explicá-lo sempre foi tarefa difícil, acho que até pra ele mesmo! Dércio foi um cara absolutamente fora de padrões. Nenhum, absolutamente nenhum padrão, cabia ali. Foi sem dúvida o melhor produtor musical em estúdio que conheci. Ele captava a alma, os desejos e o sonho do artista que o chamava para produzir. Tinha a alma universal e por isso não fazia música regional, música brasileira, música mineira ou o que quer que fosse. Era música do mundo e para o mundo, por isso todos que tinham acesso as obras dele (que não foram poucas) se encantavam. Dércio era viajante. Levou o Brasil para o Brasil conhecer e trouxe o mundo para dentro de nós. Era “estradeiro” e por isso não era de lugar certo no mundo... Todo mundo que quis enquadrá-lo, não o teve... A essência dele era composta de liberdade. Era um amigo absolutamente desprendido de qualquer tipo de julgamento de valor. Nunca o vi julgar ninguém, aceitava a todos da forma que fossem e com o que tinham para doar, para trocar e receber. Era um coração livre, tão livre que era capaz de amar o mundo com a mesma intensidade e entrega que se ama um, dois ou todos a sua volta. Pra mim era uma referência, uma janela para a vida, um rio cheio de quedas d`água e repleto de arco íris, peixes, vida, silencio e som. Era um irmão de alma. Era um encontro ou reencontro. Era a possibilidade mais ampla e irrestrita de amar e me sentir amada! Era um amor pra vida toda, pra existência, pra inexistência, para o que podemos definir como eterno. Por isso ele não passou, por isso nada acabou, por isso não é triste falar dele, é alegre, é feliz! Era uma voz doce que continua cantando e ecoando nos corações de todos que o viam assim! Não era um planeta, mas era um sistema solar.

E quando as pessoas falam que vêem que escrevo coisas bonitas sobre ele, a primeira coisa que me vem à cabeça é que não escrevo "coisas bonitas", escrevo "verdades" e se as verdades são bonitas é só porque as verdades dele sempre foram assim: bonitas.

Pra ele dedico essa música, na voz dele mesmo... E pra quem me pergunta quem ele foi, ouça-o, vale a pena!


http://www.youtube.com/watch?v=WYwoAc1R-Ak


Texto lindamente escrito por Bia Ramsthaler!

12 de março de 2014

Espelho


Nascido no subúrbio nos melhores dias
Com votos da família de vida feliz
Andar e pilotar um pássaro de aço
Sonhava ao fim do dia ao me descer cansaço
Com as fardas mais bonitas desse meu país
O pai de anel no dedo e dedo na viola
Sorria e parecia mesmo ser feliz

Eh, vida boa
Quanto tempo faz
Que felicidade!
E que vontade de tocar viola de verdade
E de fazer canções como as que fez meu pai (Bis)

Num dia de tristeza me faltou o velho
E falta lhe confesso que ainda hoje faz
E me abracei na bola e pensei ser um dia
Um craque da pelota ao me tornar rapaz
Um dia chutei mal e machuquei o dedo
E sem ter mais o velho pra tirar o medo
Foi mais uma vontade que ficou pra trás

Eh, vida à toa
Vai no tempo vai
E eu sem ter maldade
Na inocência de criança de tão pouca idade
Troquei de mal com Deus por me levar meu pai (Bis)

E assim crescendo eu fui me criando sozinho
Aprendendo na rua, na escola e no lar
Um dia eu me tornei o bambambã da esquina
Em toda brincadeira, em briga, em namorar
Até que um dia eu tive que largar o estudo
E trabalhar na rua sustentando tudo
Assim sem perceber eu era adulto já

Eh, vida voa
Vai no tempo, vai
Ai, mas que saudade
Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade
E orgulho de seu filho ser igual seu pai
Pois me beijaram a boca e me tornei poeta
Mas tão habituado com o adverso
Eu temo se um dia me machuca o verso
E o meu medo maior é o espelho se quebrar

11 de março de 2014

Pai - aniversariante do dia.


 Sei que já cansei de escrever isso e que todos sabem muito bem como a gente é tão próximo, como nossa relação é muito mais que pai e filha, mesmo que pra muita gente isso seja impossível, pra nós dois nunca foi.
 Houve sempre uma cumplicidade que ultrapassa qualquer limite, desde ajudar nas horas mais difíceis onde um realmente "depende" do outro, até os segredos e sentimentos que só são revelados entre a gente. Tenho certeza que há uma ligação de muitas outras vidas e espero que não se acabe nessa!
 Nesses 22 anos dos seus 51 de vida foram tantas risadas com as bobeiras que a gente faz, músicas apresentadas e "pai vamo cantá?", viagens, parcerias, incentivos, carinho, amizade, paternidade e outras belas coisas que poucos tiveram a oportunidade de ter com seus pais e que por isso agradeço todo o tempo por ter  você como pai e poder compartilhar todas essas boas lembranças e ser como eu sou. "E ainda me faz ser o que sem ele não seria"
 Gratidão por todos os valores e sabedoria passadas generosamente durante minha vida, por segurar minha mão e dar um empurrãozinho nos momentos mais difíceis, por nunca desistir de mim e apesar dos pesares ser um exemplo!
 To contigo e não largo! "To contigo, amigo e não abro vamos ver o diabo de perto" rsrsrsrs

Te amo muito! <3

Outro Lugar


Cê sabe que as canções são todas feitas pra você
E vivo porque acredito nesse nosso doido amor
Não vê que tá errado, tá errado me querer quando convém
E se eu não tô enganado acho que você me ama também

O dia amanheceu chovendo e a saudade me contém
O céu já tá estrelado e tá cansado de zelar pelo meu bem
Vem logo que esse trem já tá na hora, tá na hora de partir
E eu já tô molhado, tô molhado de esperar você aqui

Amor eu gosto tanto, eu amo, amo tanto o seu olhar
Andei por esse mundo louco, doido, solto com sede de amar
Igual a um beija-flor, que beija-flor,
De flor em flor eu quis beijar
Por isso não demora que a história passa e pode me levar

E eu não quero ir, não posso ir pra lado algum
Enquanto não voltar
Não quero que isso aqui dentro de mim
Vá embora e tome outro lugar
Talvez a vida mude e nossa estrada pode se cruzar
Amor, meu grande amor, estou sentindo
Que está chegando a hora de dormir.


(Elder Costa)



6 de fevereiro de 2014

Pequenina

São tão claros os presságios
E os encontros dessa vida
Quando as partes combinadas
Surgem numa mesma estrada
E na dimensão dos sonhos
Sob a sombra das palavras
É que eu mando um abraço pra ti
Pequenina
Flor vermelha, tão cheirosa
Tão bonita e amorosa
Onde a essência dessa história
 Páira plena na memória
Não pergunte pelo tempo
Pois o tempo foi-se embora
O futuro e a luz da manhã

Não demora. 

(Renato Teixeira)

Se eu soubesse




Ah, se eu soubesse não andava na rua
Perigos não corria
Não tinha amigos, não bebia, já não ria à toa
Não ia enfim
Cruzar contigo jamais

Ah, se eu pudesse te diria, na boa
Não sou mais uma das tais
Não vivo com a cabeça na lua
Nem cantarei: eu te amo demais
Casava com outro, se fosse capaz

Mas acontece que eu saí por aí
E aí, larari, lairiri

Ah, se eu soubesse nem olhava a lagoa
Não ia mais à praia
De noite não gingava a saia, não dormia nua
Pobre de mim
Sonhar contigo, jamais

Ah, se eu pudesse não caía na tua
Conversa mole, outra vez
Não dava mole à tua pessoa
Te abandonava prostrado a meus pés
Fugia nos braços de um outro rapaz

Mas acontece que eu sorri para ti
E aí, larari, lairiri
Pom, pom, pom...

Ah, se eu soubesse nem olhava a lagoa
Não ia mais à praia
De noite não gingava a saia, não dormia nua
Pobre de mim
Sonhar contigo, jamais

Ah, se eu pudesse não caía na tua
Conversa mole, outra vez
Não dava mole à tua pessoa
Te abandonava prostrado a meus pés
Fugia nos braços de um outro rapaz

Mas acontece que eu sorri para ti
E aí, larari, lairiri



(Chico Buarque)